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Comissão da Verdade da Unesp.

Fragmentos do Relatório de 2014 relativos ao Campus de Assis.

 

 

Profa. Dra. Anna Maria Martinez Corrêa

 

 

 

Caros amigos

 

É para mim um prazer enorme me fazer presente neste evento, mesmo que seja de forma indireta. Graças à gentileza do colega Eduardo José Afonso, a quem muito agradeço, posso me sentir como parte desta comunidade.

 

 

 

Selecionei para este evento alguns apontamentos, preferencialmente sobre o Campus de Assis, que constam, em parte, do Relatório da Comissão da Verdade da Unesp, de 2014. Nesse relatório procurou-se destacar a ação de resistência desenvolvida pela comunidade unespiana, à ação repressiva exercida pela ditadura militar desde o golpe de 1964 até o final de 1985.

Embora o foco principal do trabalho da CV estivesse concentrado basicamente no período ditatorial (1964 – 1985), a pesquisa teve início a partir dos anos 1950 – 1960, período durante o qual foram criados os Institutos Isolados de Ensino Superior do Estado de São Paulo, escolas que precederam a criação da Unesp. Esse foi um momento de grandes expectativas quanto a mudanças sócioe-conômicas quando eram discutidas as reformas de base propondo transformações no campo e na cidade. Eram propostas que atraíam não só os jovens estudantes em busca de uma universidade mas também os docentes, igualmente jovens, geralmente recém-formados e que se lançavam a um empreendimento em condições de lhes proporcionar conquistas futuras. Talvez tenha faltado na visão desses novos empreendedores um conhecimento maior da sociedade local, onde foram criadas essas escolas, marcada embora por forte tradicionalismo mas com vigor suficiente para envolver certas camadas de sua população nas lutas sociais do momento, no campo e na cidade. Nas pesquisas desenvolvidas pela comissão, procurou-se avaliar a ação do DOPS sobre a universidade percorrendo a documentação existente nas delegacias do período. Embora elas tenham apenas se iniciado acreditamos haver, ainda, um vasto campo a explorar.

Nesse trajeto pudemos constatar que, por ocasião do golpe de 1964, além das prisões de estudantes e docentes da universidade, fez-se um grande número de prisões de ferroviários e de lideranças rurais sob a acusação de subversão. É sabido que grande parte de estudantes que constituíam a clientela dessas primeiras escolas da Unesp eram procedentes de famílias de ferroviários ou de origem rural. Temos assim um quadro bastante diversificado social e politicamente. No entanto as chamadas “forças políticas locais” responsáveis pela acolhida dessas primeiras escolas superiores, apresentavam uma certa unidade quanto a suas posturas conservadoras, reforçadas por um forte reacionarismo de religiosos do local  tendo, em grande parte, apoiado o golpe de 1964.

Outra constatação que pode ser feita, para um melhor conhecimento da sociedade local é que notamos em algumas localidades que já havia entre os estudantes secundaristas, que seriam provavelmente recrutados futuramente como integrantes dessas faculdades, um início de politização como pode ser lembrado no caso de Assis e também em outras localidades como Botucatu, Rio Claro, Araçatuba e Marília.  Em Assis, a estudante Elenira Rezende de Souza Nazaré matriculada no Curso Clássico do Instituto de Educação  local, foi responsável pela formação de um grupo que se dedicou a realização de estudos políticos manifestando-se por meio de debates, reuniões científicas e culturais. A estudante, que posteriormente se dedicou a política de combate à ditadura, passando à clandestinidade, participou da luta armada sendo vítima da ação repressiva nos combates da Luta no Araguaia. Elenira, embora não tivesse frequentado a Faculdade de Assis, tornou-se um símbolo do movimento estudantil e seu nome foi doado ao DCE-Livre da Unesp.

Desde os primeiros momentos da criação e desenvolvimento da unidade de Assis formou-se entre seus integrantes, uma tradição de luta por uma universidade livre. Durante os períodos iniciais da década de 1960 houve manifestações principalmente de estudantes com o objetivo de estudar as questões postas pela tentativa de implementação dos Acordos Mec-Usaid. Desde as primeiras notícias a respeito desses acordos, formaram-se entre os estudantes, grupos de estudos para uma avaliação daquelas medidas. As propostas de uma Reforma Universitária movimentaram os estudantes de todo o país que encontraram nas manifestações de rua, nas passeatas sua maneira de protestar contra uma ação que pudesse cercear propostas democráticas. Foi uma maneira do movimento estudantil adquirir visibilidade e de demonstrar à sociedade suas aspirações. Em Assis, em várias oportunidades, os estudantes foram às ruas para manifestar suas aspirações.

Diante das dificuldades provocadas pelo movimento estudantil, a fim conter os protestos, em meados de 1968, o governador Abreu Sodré decidiu pela realização dos Fóruns de Debate. Reunindo a cúpula administrativa da USP, envolvida no processo de Reforma Universitária mais os integrantes da Secretaria da Educação, incluindo o Conselho Estadual de Educação, a cujas autoridades os Institutos Isolados estavam submetidos, depois de muitos debates, o governador determinou que as aulas fossem interrompidas para que estudantes e professores avaliassem seus cursos e apresentassem propostas de reformulação. Era uma forma de retirar os estudantes da rua diminuindo a visibilidade daqueles protestos. Nem todas as unidades agiram da mesma forma. Na maioria delas o Forum não passou de um ato meramente burocrático, sendo realizado por algumas congregações.

Em Assis, no entanto, bem como em outras unidades como Presidente Prudente, por exemplo, essas reuniões tiveram ampla repercussão sendo propostas ações mais democráticas, mais abertas principalmente nas relações professor-aluno. Era uma maneira de se permitir uma discussão sobre o momento político, sobre questões teóricas e metodológicas vigentes, na busca de formas mais democráticas de vivência universitária. No caso especial do curso de História, as propostas giraram em torno de questões metodológicas, por uma valorização das análises de textos, em detrimento de aulas meramente expositivas, pela integração de conteúdo programático de disciplinas, pela interdisciplinaridade, pela proposta de novas disciplinas, como, por exemplo, a etnohistória, pelo aprofundamento de estudos sobre a América Latina, por uma valorização da contribuição do índio e do negro na formação cultural do país. Procurou-se uma ligação mais efetiva entre os vários cursos da unidade como a proposta de inclusão no currículo da disciplina Teoria do Conhecimento o que viria alicerçar a união dos cursos de História e Filosofia.

Essas discussões possibilitaram também um início de aproximação entre os vários institutos isolados havendo reuniões desse tipo em Araraquara, em Rio Claro, sempre na busca de uma aproximação. É nesse ambiente que ocorre o encontro frustrado de Ibiúna. Assis se fez representar por duas estudantes. Após o evento de Ibiúna, as tensões só aumentaram com a decretação do  AI-5, e do 477 (1969). Entre as principais manifestações do período lembramos a ocorrida em Botucatu que envolveu os estudantes da Faculdade de Medicina, com invasão policial do campus e prisões de estudantes. Apesar de reprimidos os protestos continuaram. Em vários momentos essa aspiração se fez presente quer pela ação de estudantes quer pela ação de seus docentes o que esteve marcado por várias interferências do poder público, principalmente a partir da criação da Unesp, em 1976. No próximo dia 27 de outubro completam-se 40 anos do ato do governador Paulo Egydio, apresentando à Assembléia Legislativa do Estado o projeto de criação da Unesp. Para se ter uma ideia do clima da época, basta lembrar que esse acontecimento ocorreu apenas dois dias após a notícia do assassinato do jornalista Wladimir Herzog.  

 

A notícia da criação de Universidade teria motivação suficiente para agradar a toda a comunidade dos institutos Isolados. A divulgação dessa notícia fez despertar entre os integrantes daquelas escolas expectativas otimistas, da possibilidade de serem integrados numa instituição acadêmica, moderna, superando as dificuldades que constituíam obstáculos para o crescimento de suas unidades universitárias. O espaço de tempo decorrido desde a criação dos Institutos Isolados até o início dos anos 1970 havia proporcionado uma relativa experiência capaz de proporcionar efetivas sugestões. Havia ainda a experiência das outras universidades, com as quais se mantinha contato o que também poderia trazer suas contribuições. A participação de docentes e estudantes quer nos fóruns de debate quer nas discussões sobre a reforma do ensino universitário havia despertado o espírito crítico o que também poderia favorecer o surgimento de projetos originais. Mas se de um lado sentia-se a abertura de novas possibilidades favoráveis, por outro lado, o momento era obscuro e trazia uma espécie de alerta.

No entanto, dessas discussões iniciais foram afastados os maiores interessados na construção de uma instituição da qual eram parte integrantes. Realizadas na Secretaria da Educação, na CESESP, foram essas discussões, das quais não participaram, estudantes, professores ou funcionários técnicos administrativos, conservados à margem de qualquer proposta, que viesse decidir os rumos da nova universidade. Além do mais, nem mesmo a comunidade local, que havia abrigado essas escolas em seus momentos iniciais, foi chamada a contribuir para a criação dessa instituição de ensino superior.

Em razão disso, a universidade foi marcada por essa origem, que afastou qualquer possibilidade de criação democrática que deveria ser seu maior bem. Ao contrário, na cúpula dirigente, responsável pela condução do processo de sua criação, estiveram autores procedentes de outras entidades, que não participaram da epopeia da criação dos Institutos Isolados, que não acompanharam o processo de seu crescimento, nem suas relações com a comunidade acadêmica e com a comunidade local. Essa forma de ação gerou descontentamentos que, mesmo no clima repressivo do momento não deixaram de se manifestar.

Antes da montagem do processo, foi feito um levantamento das condições dos Institutos Isolados que revelou uma preocupação apenas com questões orçamentárias de quantificação de dados de infraestrutura sem que houvesse a apresentação de um projeto acadêmico a ser construído.

Ao dar início a seus trabalhos, o Conselho Provisório estabeleceu as prioridades que seriam seguidas, estando entre elas a instalação dos câmpus universitários e as normas gerais de funcionamento, particularmente a elaboração dos Estatutos. A disposição das unidades universitárias em seus respectivos câmpus deveria constar dos Estatutos. Para orientar esses trabalhos foram indicados alguns caminhos como o de se levar em conta os aspectos regionais do Estado e a presença das outras duas universidades nesses espaços. Foram lembrados os princípios que alicerçam uma universidade pública cuja diretriz fundamental estaria no ensino, na pesquisa e no atendimento à comunidade, visando tratar dos problemas mais complexos da realidade brasileira em vários campos do saber. Esses princípios seriam observados na elaboração dos estatutos. Foi apresentada uma ementa do que se pretendia contida no documento – Fundamentação do Anteprojeto de Estatuto da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”   dirigida à comunidade universitária para que, num prazo de 15, dias fossem apresentadas sugestões.

A apresentação do modelo proposto para conhecimento e estudo da comunidade universitária foi uma forma de abrir a possibilidade de uma colaboração dessa comunidade mas, a dificuldade estava na exiguidade do prazo. Da forma como foi apresentado demonstra que não havia, por parte da reitoria, a expectativa de uma cooperação. Criou-se uma atmosfera de tensão agravada pela falta de informação ocasionando inseguranças. Uma das questões mais polêmicas contidas no projeto esteve na proposta de racionalização da universidade a partir de uma reformulação da distribuição dos cursos no atendimento da premissa de não repetir investimentos numa mesma atividade. Esse argumento significava fechamento de cursos, transferência de cursos e de pessoal e até mesmo demissão de pessoal. Os exemplos mais citados diziam respeito às faculdades de Educação ou às Humanidades em geral. O argumento não levou em consideração a formação histórica daquelas faculdades, já estruturadas em determinadas unidades universitárias, havendo uma integração entre os cursos ministrados, realização de pesquisas conjuntas e, além do mais, com uso comum de acervos bibliográficos. Havia, ainda, determinados cursos já integrados na comunidade local e que vinham contribuindo para a realização de estudos locais ou que aproveitavam recursos locais para suas pesquisas. Os critérios técnico-burocráticos utilizados não levaram em conta a vivência nas unidades universitárias sendo traduzidas apenas como reivindicações pessoais, aliás, existentes e justas. Formulou-se assim a possibilidade de extinção de 5 cursos de Pedagogia, 3 de Letras, 3 de Ciências Sociais, 1 de Matemática, 1 de Ciências Físicas e Biológicas e 1 de Estudos Sociais.

No que diz respeito a Assis, o anteprojeto atingia frontalmente estrutura do Campus. O anteprojeto previa a não duplicação e cursos e o na região do oeste do Estado, constatou-se essa duplicidade em Assis e Marília onde havia cursos de História e de Letras nas duas cidades. Ocorre que os cursos tinham suas características próprias podendo perfeitamente ser reconhecidos em suas individualidades. O curso de História de Assis, desde algum tempo, havia estabelecido uma sólida ligação com o curso de Filosofia e havia se firmado em estudos de História Contemporânea. Em Marília, o curso de História fora orientado pelo professor Eurípedes Simões de Paula sendo responsável pela formação de uma biblioteca especializada em História Colonial tendo para isso criado uma biblioteca rica em fontes históricas. Além disso, esse professor fora responsável pela criação, em 1961 de uma associação de professores de História, a ANPUH, cuja primeira reunião aconteceu no campus de Marília. Portanto não havia razões que pudessem justificar transferências ou fechamentos. Mesmo assim, o Curso de História de Marília foi transferido para Assis, o que significou seu fechamento em Marília e o de Filosofia foi transferido para Marília. Tudo não passou sem grandes desgastes nos dois Campi, protestos das comunidades locais desorganizando situações que se encontravam em perfeito funcionamento.  

 

Para programar sua ação, os docentes haviam se organizado se organizaram em torno de uma associação, a Adunesp. Muitas outras ações de força se fizeram sentir em todas as unidades seguidas de protestos e de decepções. Os estudantes também procuraram se organizar na sua luta pela manutenção dos cursos. O Centro Acadêmico Pirajá da Silva promoveu várias reuniões para a discussão dos problemas do Campus de Botucatu. Em Botucatu, a Faculdade de Medicina, criada em 1963, com um modelo específico correspondente a uma nova concepção do ensino das Ciências Médicas, sofreu, com a criação da Unesp, um rude golpe. Daí uma série de protestos logo reprimidos.

A nova Universidade havia sido criada na forma de uma entidade construída a partir da administração superior, excessivamente centralizada e autoritária, própria de seu tempo e arcando com sérias dificuldades resultantes dos agentes desagregadores então existentes e vinha marcada por uma atuação restritiva às Ciências Humanas. O maior indicador dessa atitude pode ser evidenciada pela análise da política do vestibular. O acesso à universidade passava a ser controlado pela distribuição das vagas e pela abertura dos vestibulares. Nem todos os cursos foram contemplados com a realização de vestibulares.

Ao finalizar os anos 70, tem início uma transição da ordem política autoritária que havia sido cristalizada pelo regime militar, para uma outra mais democrática, que ganhou uma face civil em 1985. A realização das eleições, apesar de todas as dificuldades, começava a impulsionar para uma nova direção. A imprensa com sua liberdade, ainda que limitada, abria espaço para a oposição.  As associações de docentes, as organizações estudantis, os sindicatos intensificaram os clamores para uma nova ordem de coisas. Que regressassem os exilados, que fossem reintegrados os cassados, que se fizesse afinal, a anistia. Sinais vindos de fora obrigavam a Universidade a novas atitudes. Em agosto de 1979 a publicação da Lei da Anistia fez com que o tema atingisse igualmente a Universidade, apresentando-se ao Conselho Universitário a possibilidade de reintegração dos cassados. Foi um teste para uma avaliação da sensibilidade do Conselho Universitário e da reitoria na adoção de uma política democrática. No entanto, a reação, principalmente da reitoria, não foi em nada favorável nessa direção dificultando a absorção imediata dos cassados e obrigando a postergação daquela discussão.

 

Os estudantes por sua vez seguiam esse mesmo caminho na busca de conquistas de seu interesse que diziam respeito às formas de ingresso na Universidade, visando uma reformulação dos vestibulares, a distribuição das vagas e, no caso da Unesp, uma questão se tornou premente, das vagas ociosas. Desde a criação da Universidade, em 1976, a questão havia se projetado em razão do desencontro da demanda com a oferta de vagas disponibilizadas pela universidade. Outras questões angustiavam os estudantes, também resultantes da forma com que foi criada a Unesp – sua representatividade nos órgãos colegiados, questão regulamentada pela legislação federal mas que, em sua aplicação, encontrava resistência por parte de estudantes que preferiam fazer suas escolhas, procurando escapar da tutela das autoridades estabelecidas na reitoria. Outras reivindicações consistiam na luta por moradia, por restaurante universitário, bolsas, etc.

Quanto aos servidores técnico-administrativos começavam a se organizar no sentido de criar uma instituição representativa da classe.

Essas perspectivas de mudanças eram ainda muito limitadas na medida que a antiga estrutura de poder continuava a ser mantida na universidade, seu funcionamento seguia o mesmo ritmo, sob o comando das mesmas pessoas ou de pessoas com a mesma linha de ação. Nos inícios dos anos 1980, apesar das possibilidades de melhorias em razão da decretação da Anistia, da revogação do AI-5 e dos decretos 477 persistia, ainda uma insatisfação quanto ao quadro administrativo existente.  O primeiro reitor, professor Luis Ferreira Martins havia sido deslocado para a Secretaria da Educação e, em seu lugar, assumira como reitor, o professor Armando Octávio Ramos, antigo vice-reitor, que continuava a manter a mesma linha de ação.

Para as universidades paulistas persistia, ainda, um clima opressivo. O governador Paulo Maluf havia lançado a questão do ensino público pago, no que contou com o apoio do ex-reitor da Unesp, professor Luis Ferreira Martins, então ocupando o cargo de Secretário da Educação. Essa campanha logo ganhou apoio da imprensa provocando a reação imediata de estudantes e professores das universidades estaduais. Nessa ocasião, o governador vinha desenvolvendo seu “governo itinerante” percorrendo várias cidades do interior, ocasião propícia para as manifestações de desagrado. Maluf fazia-se acompanhar por sua guarda pessoal, já conhecida pelos eventos desastrosos na Freguesia do Ó, em 1980.

Na Unesp, a primeira ação nesse sentido ocorreu em Botucatu, com atos de violência, resultando na prisão de estudantes no evento de 23 de maio de 1981, de grande repercussão por toda a imprensa. Segundo seu programa de governo itinerante, Maluf esteve em Rio Claro, Marília onde provocou manifestações que foram seguidas de prisões de estudantes. Em Assis, o evento ocorreu no dia 13 de junho de 1981, quando houve prisões prévias, como foi o caso do professor João Francisco Tidei Lima, seguida da prisão dos estudantes Carlos Alberto Montovani, Grácia Maria Malho e Ana Maria Melo sem que houvesse uma motivação para isso. Esses atos de violência, da guarda pessoal de Maluf, provocaram imediatamente uma reação de estudantes e professores que organizaram uma passeata percorrendo toda a cidade até postarem-se diante da delegacia onde se encontravam os presos até que fossem postos em liberdade. Depois do ocorrido, houve a divulgação de que a motivação da prisão teria sido a publicação de um panfleto denominado “Show cara de páu” .

Uma das reivindicações dos estudantes era de poder contar com uma maior autonomia na escolha de suas representações junto aos órgãos colegiados. Isso só seria possível se eles pudessem contar com representantes autênticos, isto é, que fossem escolhidos por eles e de acordo com uma sistemática própria. Para isso era fundamental que tivessem domínio sobre a criação dos centros acadêmicos, dos diretórios acadêmicos de livre escolha dos maiores interessados, os estudantes. Quando tem início a discussão por universidade mais democrática, os estudantes são os primeiros a apresentar suas reivindicações e, entre elas, a existência de representações legítimas. Uma das entidades mais atuantes nesse sentido era a agremiação conduzida pelos estudantes de Fatec, em São Paulo.

O novo governador, eleito em 1983, Franco Montoro em sua posse apresentou  novas esperanças para a Universidade. O momento trazia o estímulo da possibilidade de novas ações. Havia se iniciado a campanha pelas eleições diretas para presidente, havia novos partidos dispostos a reverter o quadro político do momento. Toda essa movimentação era estimulante para a UNESP, principalmente em razão das fortes pressões sociais resultantes das forças políticas em ação. À ação dos novos partidos políticos correspondia uma atuação no interior da Universidade principalmente a atuação das associações de docentes e das representações estudantis sob o comando da UNE além do iniciante movimento dos funcionários na direção de suas entidades.  Toda essa movimentação vinha acompanhada de sinais de mudanças. Aproximava-se o final do mandato do Reitor da UNESP, Professor Armando Octávio Ramos, um dos autores do projeto inicial da UNESP e seu primeiro Vice Reitor. Ao mesmo tempo, finalizavam alguns mandatos de diretores nas unidades universitárias apresentando-se como ocasião oportuna de renovação para o desenvolvimento de uma ação democrática de substituição de um modelo imposto, sem o respaldo da comunidade universitária e com sinais evidentes de fragilidade diante das forças emergentes. A notícia fazia igualmente renascer a esperança da volta dos cursos que haviam sido fechados na administração anterior.

No Campus de Assis, o mandato do diretor deveria terminar em junho de 1983. Não foi por acaso que o movimento pelas eleições diretas na UNESP tenha se iniciado em Assis, onde se formara uma tradição de luta na busca de realização de uma universidade democrática. Apoiando-se no evento comemorativo de seus 25 anos de fundação, a unidade se lançou na campanha pelas eleições diretas e pela democratização da Universidade. Para isso, o primeiro passo seria promover uma consulta às bases, procurar conhecer qual seria a aspiração da comunidade universitária. A consulta à comunidade prepararia as bases para o lançamento da proposta de eleições diretas e paritárias primeiramente para diretor e posteriormente para reitor.

A campanha desenvolvida em Assis, liderada pela Adunesp, contou com o apoio da UNE, e da Andes. Realizada a consulta à comunidade local, o candidato mais votado foi o Professor Antonio Quelce Salgado, com 328 votos. Os resultados foram homologados pela Congregação que elaborou uma lista, respeitando a vontade da comunidade e a enviou à Reitoria para a efetuação da escolha e nomeação do diretor.  O que se esperava era que o reitor acatasse a vontade da comunidade local e referendasse o nome do mais votado. No entanto, não foi isso que aconteceu. O nome indicado foi o do professor Fernando Manuel de Mendonça, que vinha por finalizar seu mandato e que na lista da comunidade ocupava o terceiro lugar, com 37 votos.

Uma vez conhecida a decisão da Reitoria, teve início uma oposição contra um novo mandato do diretor. As eleições em Assis foram acompanhadas de perto pelos deputados do PT e do PMDB. Essa aproximação era o primeiro sinal de uma ação vigilante da Assembleia Legislativa de São Paulo, em apoio à expectativa de democratização manifestada pela comunidade universitária. A presença da Assembleia é sentida imediatamente após a manifestação da comunidade, quando decidiu enviar uma correspondência à Congregação de Assis e também à Reitoria da UNESP para que o escolhido fosse o mais votado pela comunidade local sob a alegação de que a autonomia da universidade seria tanto mais favorecida quanto maior fosse o respeito à democracia interna da comunidade universitária.  O não atendimento àquela reivindicação provocou a indignação da comunidade universitária de Assis em apoio da qual  Paulo Frateschi propôs à Assembleia o envio de uma Moção de protesto que foi encaminhada à reitoria da UNESP.

A recondução do diretor do Campus de Assis provocou profunda decepção à comunidade local que passou a manifestar publicamente seu descontentamento. As formas encontradas de manifestação ocorreram dentro do próprio campus, ou servindo-se da imprensa local e da capital, a comunidade universitária local divulgou sua decepção para com os órgãos superiores. Nessa ocasião, a imprensa desempenhou um papel crucial na medida que veio se sobrepor à grande dificuldade de comunicação existente entre as unidades da UNESP entre elas mesmas, entre a UNESP e as outras universidades e a sociedade em geral. A ação da imprensa deu visibilidade aos acontecimentos da UNESP e possibilitou o desencadeamento de um debate a respeito da Universidade tanto no sentido da revelação de seus problemas como pela possibilidade de iluminar seus novos rumos. De modo especial foi relevante a colaboração prestada pela Folha de São Paulo (FSP). A FSP deu total cobertura às manifestações do movimento pela democratização da UNESP passando quase a ser um diário dos acontecimentos relativos à UNESP.

Para o jornal O Estado de São Paulo (OESP), o movimento poderia ser visto com simpatia na medida que poderia coincidir com uma proposição constante do jornal na sua visão de democracia. Era bastante conhecida a aproximação de OESP à universidade, muito particularmente à USP sobre a qual havia uma opinião consolidada do jornal não apenas pela presença de docentes daquela Universidade entre seus colaboradores mas pelo próprio histórico de ambas entidades.  No entanto, com uma posição mais marcante do que da FSP no que diz respeito ao aspecto político-partidário contido na afirmação de uma crítica ao governo iniciante de Franco Montoro. Poderia, ainda, representar uma ação clara de luta contra o malufismo. No entanto, a posição do jornal é segura, clara, evidente, pelas liberdades democráticas, mas não podia deixar de expressar  uma postura hostil ao que deixasse transparecer uma ação do político  Montoro. O que se passava na UNESP, para o jornal, era fruto da ação de um governo, para o qual o jornal manifestava profundo desprezo. Por outro lado, o aspecto de ação popular ou populista, a movimentação de estudantes, estimulada pela UNE e pela UEE, a atuação dos docentes mediante sua associação, a percepção da ação de partidos políticos na condução de determinadas posturas, eram vistas como ações de sindicalismo ou fruto de ações anárquicas pouco condizentes com a academia. O jornal expressa essa maneira de ver a questão, em editorial em torno do tema - Anarquia participativa - atribuindo seus males ao "comunitarismo", na sua visão, males resultantes dos desmandos da política do governador Montoro. Tido como uma espécie de aprendiz de feiticeiro, de acordo com o jornal, o governador dava mostras de não conter um problema que se alastrava e que ele mesmo ajudara a estimular em sua campanha e na primeira fase de seu governo.  A grande preocupação do jornal era de que essa movimentação a que ele atribuía uma ação demagógica ou mesmo anárquica pudesse vir a atingir a Universidade de São Paulo.

A indicação do novo mandato do diretor de Assis ocorreu nas vésperas do recesso escolar. Tendo a unidade ingressado em período de férias escolares, talvez a reitoria contasse com esse fato como uma possibilidade de atenuar o impacto daquela escolha. Durante o período do recesso, a reitoria promulgou uma resolução que viria causar impacto em toda a Universidade. A Resolução 36, de 27 de julho de 1983, que estabelecia a consulta à comunidade para orientar a eleição do próximo reitor.  Embora a reação não tivesse sido imediata, talvez por ocorrer em período de férias ou porque seu alcance não tivesse sido avaliado imediatamente, posta em prática, a medida viria causar posteriormente um certo impacto pelo seu aspecto contraditório. A própria reitoria havia rejeitado a consulta à comunidade no caso de Assis. No entanto, a Resolução 36/83 vinha institucionalizá-la. Naturalmente, deveria haver razões para isso, não coincidentes com as proposições dos responsáveis pelos protestos em Assis.

Ao terem início as aulas do segundo semestre, no dia primeiro de agosto de 1983, o clima no campus de Assis era tenso. Os estudantes manifestaram ruidosamente seu protesto. O diretor pediu auxílio à polícia local a fim de silenciar os estudantes que protestavam nas proximidades do edifício da administração impedindo os trabalhos e o funcionamento das aulas com seus instrumentos de percussão. A presença de policiais no Campus provocou grande indignação agravando-se ainda mais o problema. Para o dia dois, estava marcada uma sessão da Congregação, a ser presidida pelo Professor Fernando Manuel de Mendonça, iniciando assim seu segundo mandato. No entanto, um grupo de alunos, aproximadamente 100 alunos, se postou diante da porta da sala onde haveria a reunião. Era uma atitude de protesto, ao não atendimento da reivindicação local, protesto que visava impedir a realização da reunião. Nem todos os integrantes da Congregação puderam ou não quiseram entrar. Diante disso, o diretor chamou novamente a polícia criando assim uma situação crítica para a Universidade.  Foram 30 policiais que procuraram remover os estudantes.

O acontecimento foi registrado pela imprensa que fotografou a ação policial. As fotos foram transformadas em postais, amplamente divulgados entre os estudantes. Conforme se justificou em seu depoimento, o Professor Mendonça não praticou esse ato sem antes consultar as autoridades superiores tanto da Universidade como do poder público. O fato é que houve assentimento da reitoria sendo esta portanto igualmente responsável pelo ato. Daí um constrangimento maior e, mais ainda, pelo fato de ter sido um ato de força de um governo que se esperava democrático.

O jornal OESP não perdeu a oportunidade de criticar o governo Montoro em sua proposta de democracia participativa que o jornal ironiza como Anarquia participativa título de seu editorial do dia 7 de agosto de 1983. A sessão da Congregação foi suspensa e o diretor deixou o Campus sob os protestos dos estudantes que imediatamente ocuparam a sala da direção. Diante desses acontecimentos, a comunidade unespiana passou a demonstrar sua reação. Imediatamente professores e estudantes de várias unidades da Unesp se solidarizaram com Assis.

 Diante desses acontecimentos o Conselho Universitário, considerando a situação existente em Assis fora da normalidade, propôs a suspensão das atividades letivas no Campus, da qual resultou a Portaria 265/83, e a instituição de uma Comissão de Sindicância para apurar os fatos ocorridos no ILHPA. A comissão foi composta pelos professores José Bonifácio Fonseca, Manuel Nunes Dias e Homero Moraes Barros. Apesar de terem sido suspensas as aulas, os estudantes continuaram a ocupar a sala da direção e alguns professores continuaram a ministrar suas aulas e a proferir conferências. Com isso queriam demonstrar que a interrupção das atividades era da responsabilidade da reitoria e que a normalidade seria mantida no campus por professores e alunos. No entanto, as manifestações contrárias à atitude da reitoria tiveram prosseguimento fazendo surgir uma série de notícias controvertidas. Numa tentativa de estancar o movimento, a reitoria suspendeu o expediente no campus a partir do dia 22 de agosto.

A crise iniciada em Assis acabou por adquirir uma feição política, principalmente quando a imprensa passou a responsabilizar o governo estadual pelos problemas resultantes. Os jornais locais, na defesa dos grupos políticos de oposição ao governo Montoro adotaram uma postura muito semelhante a do jornal OESP ao apontar naqueles eventos o resultado de uma política por eles considerada desastrosa.

A busca de apoio entre os deputados da Assembléia Legislativa deu oportunidade aos deputados do PT e do PMDB de demonstrar seu posicionamento. O encontro com estudantes e professores de Assis, a par da crise da UNESP trazia uma outra questão que merece registro. A AALESP estava envolvida na realização do II Inquérito sobre o Ensino Público Paulista. Respaldado no modelo de 1927, quando se procedeu a uma profunda análise do ensino no Estado de São Paulo, sob a coordenação de eminentes educadores. O que se pretendia, na realização do II Inquérito, era  demonstrar a existência de uma situação crítica que precisaria ser avaliada. Ainda que a maior parte das discussões recaíssem sobre o ensino de 1º e 2º graus, a análise deveria se estender a uma apreciação sobre o ensino universitário.

A crise de Assis colocou em evidência uma unidade da UNESP, conhecida como unidade simples, dispondo de apenas uma faculdade. Uma situação peculiar na UNESP quando se discute a questão do poder, de distribuição de forças de interesse, dentro da Universidade, poder que se manifesta na composição do Conselho Universitário, principalmente nas condições da época, sendo visível uma disparidade entre as áreas do conhecimento e as localidades geográficas. A crise ocorreu numa unidade simples, de apenas uma faculdade e da área de Humanas, já bastante desgastada desde a criação da UNESP, quando o estatuto que criou a estrutura da universidade atingiu de forma expressiva a área de Humanidades. A existência de apenas uma faculdade no campus significava a existência de apenas um diretor, ou um voto, no Conselho Universitário.

O novo governo deparava-se com uma situação bastante difícil para a área de Humanas. Havia, por exemplo uma proposta de supressão do ensino da literatura e da filosofia nos cursos de 1º e2º graus. Em nível superior, essa tendência foi sentida quando o curso de Filosofia da UNESP originalmente sediado em Assis, ao ser transferido para Marília não encontrou o necessário respaldo da Universidade para sua manutenção.  Daí o empenho de deputados do PMDB e do PT em tentar reverter essa situação. Para esses deputados o acontecimento de Assis era um sintoma claro das tentativas de mudanças na busca de formas mais democráticas mas também, por outro lado, ainda estavam demonstradas explicitamente as resistências  às inovações. Em diferentes sessões, os deputados Geraldo Siqueira (PT), Wagner Rossi (PMDB), Helio Rosas , Paulo Frateschi (PT), entre outros, tiveram ocasião de manifestar apoio aos docentes e estudantes envolvidos na campanha pela democratização da UNESP.

A Comissão de Educação da ALESP ao assumir a avaliação do problema de Assis, convocou os representantes da UNESP, integrantes da Reitoria, do Colégio Eleitoral, professores, estudantes e funcionários para tratar da questão. Como o objetivo era obter informações mais completas e consistentes, a Comissão realizou três sessões, durante as quais ouviu depoimentos dos chamados a colaborar para a solução do problema. Chegou assim a reunir um volume considerável de informações que vieram constituir o Relatório dos trabalhos desenvolvidos pela Comissão de Educação acerca da crise vivida pelo Instituto de Letras, História e Psicologia de Assis, da UNESP.

Estudantes e professores buscaram o apoio da comunidade acadêmica. Surgiram assim, manifestações com a finalidade de apoio e de esclarecimentos. Nessa linha situa-se o artigo do professor Caio Navarro de Toledo ressaltando os aspectos políticos dos acontecimentos. A crise da UNESP, um desafio ao governo Montoro lembra as propostas do governador ao assumir seu mandato e demonstra o desencontro entre essas propostas e a atuação da reitoria da UNESP. O movimento de Assis recebeu também a solidariedade de colegas de outras universidades que pelas colunas dos jornais, particularmente a Folha de São Paulo,  vinham expressar seu apoio. Citamos, entre outros, Paulo Freire, Florestan Fernandes, Octávio Ianni, Irede Cardoso, Antonio Candido de Mello e Souza, Marilena Chaui,

No Campus de Assis, na busca de um entendimento entre a direção e os alunos, a Congregação propôs a desocupação da sala da diretoria pelos alunos e a retomada das atividades mediante a elaboração de novo calendário. No entanto não houve acordo da parte dos alunos. Alunos e professores buscaram apoio na comunidade local e os vereadores pediram à Reitoria a revogação da portaria 265/83 que suspendeu as atividades didáticas no campus.

O pedido de apoio encontrou eco em outras localidades do Estado. Vereadores de uma caravana interpartidária e promoveram uma visita a Assis não só para manifestar solidariedade mas também para informar a respeito dos temores dos estudantes de Franca diante da possibilidade de se repetir naquele campus o ocorrido em Assis por ocasião da escolha do diretor.

O que se esperava, a longo prazo, seria uma discussão mais ampla que viesse envolver a universidade como um todo. No momento, no entanto, configurava-se uma situação de impasse. A solicitação era de volta às aulas, com a revogação da portaria 265/83. No entanto, a Reitoria havia condicionado a suspensão da portaria mediante a devolução da sala da direção.

Em fins de agosto, aproximando-se o final do mandato do senhor reitor, professor Armando Octávio Ramos e havendo a possibilidade de uma consulta à comunidade, estudantes e professores começaram a se organizar e iniciaram discussões para estudar a reforma do Estatuto tendo em vista a possibilidade de realização de eleições diretas. Adunesp iniciou as atividades preparatórias para a eleição. No Campus de Assis ocorreu uma primeira reunião de planejamento com a presença de representantes de várias unidades. A campanha serviria também para buscar uma solução para a crise de Assis. De início foi proposta uma forma de mobilizar os campus organizando ciclos de debates sobre a Universidade, sobre a questão do autoritarismo implantado na Universidade. Uma das estratégias apontadas foi a de recorrer aos políticos locais solicitando apoio para anulação da portaria que suspendeu as atividades didáticas no Campus de Assis e, ao mesmo tempo, enviar ao Conselho Universitário o pedido de suspensão da Portaria 265/83. Ao mesmo tempo, os estudantes se organizam e criam o DCE-Livre Helenira Nazareth de Rezende.

A paralisação imposta à unidade de Assis gerou uma situação de insegurança propiciadora ao surgimento de boatos segundo os quais, a faculdade seria fechada. Pelo histórico do Instituto de Letras, História e Psicologia de Assis, é possível avaliar o peso desses rumores. Há não muito tempo atrás, em 1976-77 a Faculdade de Assis havia passado pelo trauma da criação da UNESP que ocasionou o remanejamento de cursos, seguido de ameaças de fechamento. As ameaças eram sentidas entre aqueles que apoiavam a ordem das coisas imposta pela Reitoria. Em alguns jornais, como no OESP quando, em meio às críticas à democratização da Universidade fez referências ao "dispendioso Instituto de Letras, História e Psicologia de Assis" quase como uma sugestão de fechamento. Posta nas condições do momento, a expressão tinha um conteúdo provocativo. Na comunidade de Assis, principalmente entre os políticos locais eram sentidas as ameaças de fechamento da faculdade. O jornal local Gazeta de Assis chegou a publicar uma notícia fazendo referência à intenção de fechamento da Faculdade. O boato foi divulgado justamente quando se iniciavam os trabalhos de propaganda a respeito do vestibular para o ano seguinte. Nessas circunstâncias o boato seria altamente prejudicial ao Campus.

No decorrer desses acontecimento, a Reitoria demitiu, em ato publicado do DO de 30 de setembro,  o Professor Antonio Merisse, do Departamento de Psicologia de Assis, membro atuante da Adunesp.A Reitoria fundamentou o ato em razão da não entrega do Relatório do professor no tempo devido. O ato foi visto no Campus como uma represália à militância do professor o que reacendeu mais ainda os ânimos. Reunidos em assembléia, estudantes e professores decidiram denunciar o ocorrido em outras unidades da UNESP, pedindo uma reunião extraordinária da Congregação e do Departamento de Psicologia.  Ficou decidida também a solicitação de uma audiência com o governador Montoro para pedir providências rápidas para a recontratação do professor e para a volta às aulas. A notícia da demissão do professor Merisse repercutiu não só na UNESP mas também mobilizou outras entidades docentes como a Adusp, a Adunicamp, também o Conselho Regional de Psicologia Na ALESP, a demissão do professor Merisse foi debatida  e motivo para a elaboração de uma Moção de protesto.

A 6 de outubro, depois de 64 dias de ocupação, os estudantes decidiram desocupar a sala da direção. Fizeram a entrega simbólica da chave ao governador Montoro e convidaram as autoridades locais para vistoriar a sala e verificar se tudo se encontrava em ordem. No entanto, permanecia, ainda, uma resistência, por parte da Reitoria que relutava em suspender a Portaria  265/83, que determinou a suspensão das atividades letivas, atitude considerada autoritária e antidemocrática. O clima, no entanto, era convidativo para atitudes menos autoritárias. O mês de novembro assinalava uma movimentação da opinião pública na busca de formas mais democráticas de ação. Era uma força integrada não só pela universidade mas também por de parte da imprensa, partidos políticos, artistas, empresários, a Igreja Católica, a OAB,  a ABI que num movimento coletivo demonstrou a necessidade de mudanças. A proposta do momento era o direito de escolha. Que o cidadão pudesse ter o direito de escolha de seus governantes. Em termos de universidade isso significava o direito de escolha de seus representantes. Se queremos votar para presidente, na universidade quero ter o direito de votar no reitor. O que aconteceu em Assis foi apenas o início de um forte movimento que logo atingiria a toda a universidade. Durante os primeiros anos da década de 1980, toda a Unesp foi atingida por essa vontade de escolha de seu próprio destino. A luta pela democratização do Campus de Assis tornou-se a luta pela democratização da Unesp que teve por finalidade não apenas mudar a reitoria mas também promover a elaboração de um novo estatuto, menos autoritário. No decorrer do ano de 1984 houve desenvolvimento de uma série de discussões que conduziram à elaboração de um novo estatuto, firmado em 1989. Nem sempre, no entanto, a modificação da lei traz as mudanças pelas quais se lutou e que eram esperadas.

 

Ao finalizarmos essa etapa de nossas considerações a respeito da Comissão da Verdade, chegamos a conclusão de que muita coisa está para ser feita. Uma das questões que mais nos sensibilizaram foi a constatação de que muitos pontos considerados como produtos de um momento de exceção não foram ainda totalmente resolvidos permanecendo ainda impregnados em nossas instituições universitárias. Daí a necessidade urgente de um aprofundamento maior desses estudos para um melhor conhecimento de nossa realidade dos dias de hoje numa tentativa de remover esses entraves que dificultam a criação de uma universidade verdadeiramente democrática.

 

São Paulo, 2 de outubro de 2015

 

Obs.: O texto completo bem como suas respectivas fontes podem ser consultados no CEDEM.

 

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